A legalidade do rolezinho

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POLÊMICA

A legalidade do rolezinho

Reunião de multidões de adolescentes da periferia em shoppings desperta discussão sobre direitos fundamentais

24/01/2014 | 00:06 | JOANA NEITSCH
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/conteudo.phtml?id=1441716

A reunião de jovens para “zoar” em alguns shoppings do Brasil é polêmica. A legalidade dos rolezinhos e as providências jurídicas que têm sido tomadas para evitar que tais encontros aconteçam vêm suscitando discussões. As medidas que podem ser tomadas com base na lei envolvem direitos fundamentais, como os de livre manifestação, de propriedade e de livre exercício do trabalho. O direito penal e o direito civil também são evocados para se analisar a complexidade do tema.

Isso porque alguns centros comerciais ajuizaram ações para evitar que os rolezinhos fossem realizados. Em uma liminar para impedir que o encontro dos jovens fosse realizado no shop­ping Metrô Itaquera, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) Celso Maziteli Neto argumentou que “manifestação em Shopping Center, espaço privado e destinado à comercialização de produtos e serviços impede o exercício de profissão daqueles que ali estão sediados, bem como inibe o empreendedorismo e a livre iniciativa”. O magistrado definiu multa de R$ 10 mil por dia para cada manifestante que desobedecesse à determinação.

Entenda o caso

Veja como tudo começou:

• No dia 7 de dezembro, o primeiro encontro desse tipo ocorreu no Shopping Metrô Ittaquera, em São Paulo, reuniu cerca de 6 mil jovens e levou os comerciantes a fecharem as lojas com medo de que fosse um arrastão.

• Desde então eventos semelhantes foram realizados ou pelo menos marcados para ocorrer em outros shoppings de São Paulo e também em outras cidades como Rio de Janeiro e Brasília. No Paraná, Cascavel e Ponta Grossa tiveram tentativas de rolezinhos no início do mês, mas em uma houve pouco comparecimento e na outra os jovens foram barrados.

• No início, o perfil dos participantes era basicamente o de adeptos do funk ostentação - vertente paulista da música carioca, que exalta riqueza e objetos de luxo. Os jovens, vindos da periferia, usam roupas e tênis de marcas caras. Agora, já há quem participe ou queira promover rolezinhos como movimentos sociais, com viés político. Há interpretações de que o movimento é uma reação daqueles que são excluídos dos espaços de lazer da classe média. Outros condenam a atitude e a consideram vandalismo.

• No dia 14 de janeiro, a presidente Dilma Rousseff convocou uma reunião com os ministros para discutir o assunto. Também na semana passada, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, defendeu que não se deve tomar atitude repressiva aos rolezinhos. A Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop) enviou um ofício ao gabinete da presidente solicitando uma audiência para conversar sobre o tema.

• No próximo domingo, dia 26, está sendo programado pelo Facebook um rolezinho no shopping Pátio Batel, de Curitiba.

A advogada, mestre em direito Constitucional e professora da UniBrasil Melina Breckenfeld Reck não considera possível proibir a entrada de pessoas específicas no shopping. “Não é possível discriminação, tem que ser uma regra para todos os clientes”, explica. Caso apenas alguns sejam submetidos às medidas preventivas, a professora diz que é possível requerer medidas indenizatórias, alegando vexame e discriminação. Por outro lado, ela lembra que alguém que “se excede permite que o outro haja”. Como nenhum direito é absoluto, não se pode utilizar o direito constitucional de manifestação para desrespeitar outros direitos fundamentais.

Criminalização

Se por um lado quem pratica atos como furtos e agressões deve ser punido de acordo com o Código Penal ou, no caso de adolescentes, sofrer medidas socioeducativas, por outro, o simples fato de realizar reuniões não pode ser criminalizado. “O direito penal/Código Penal pouco (ou nada) pode oferecer para tratar de questões sociais e, menos ainda, em casos como esses envolvendo gente muito jovem, normalmente em torno dos 14 aos 17 anos de idade”, enfatiza a professora de direito Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Priscilla Placha Sá. Ela destaca o fato de que não ocorre a mesma reação de se acionar policiamento ostensivo para outros eventos, como “réveillons fora de época” planejados por jovens de classe média em Curitiba.

O advogado doutor em Direito Penal pela Universidade de Sevilha Cezar Roberto Bitencourt também considera que nenhum tipo penal do ordenamento jurídico brasileiro é adequado para resolver a questão dos rolezinhos e que não há nenhuma conotação criminosa em se organizar esses atos pelo Facebook.

Além disso, segundo os juristas entrevistados, caso os rolezinhos se tornem uma prática frequente, não há necessidade de criar um novo tipo penal para lidar com essa situação. “Se essa juventude praticar algum crime, já temos leis suficientes para puni-la”, diz Bitencourt. E a professora Priscilla ressalta: “Não é possível ter um tipo penal para cada fato da vida. Menos ainda um tipo penal específico para adolescentes”.

Esfera cível

Com relação à proibição de entrada nos shoppings centers, o professor de direito civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Eroulths Cortiano Junior explica que há previsão expressa no Código de Defesa do Consumidor (CDC) que impede que o estabelecimento comercial escolha os clientes. De acordo com o artigo 39 do CDC, é vedado “recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento”.

Cortiano Júnior lembra, no entanto, que, quando o proprietário prevê alguma ameaça à sua posse, é possível recorrer a uma medida judicial para protegê-la, como o interdito proibitório, previsto no artigo 932 do Código de Processo Civil (CPC): “o possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito”.

Shoppings de Curitiba se preparam para onda de rolês

Depois do início em São Paulo, os rolezinhos estão se espalhando pelo Brasil. No Rio de Janeiro, um rolezinho foi planejado para o último domingo, dia 19, no Shopping Leblon, um dos mais sofisticados da cidade. Mais de 9 mil pessoas confirmaram presença pelo Facebook e, mesmo tendo conseguido liminar para evitar a realização do evento, a administração do shopping preferiu não abrir neste dia. Em Curitiba, o Shopping Pátio Batel, inaugurado no ano passado e conhecido por lojas de grifes famosas e caras, foi escolhido para um rolezinho agendado para o dia 26 de janeiro.

O publicitário Paulo Henrique de Jesus é um dos organizadores de um evento no Facebook relacionado ao rolezinho curitibano. Ele diz que, por ser pardo e ter crescido na periferia, sabe a discriminação que esses jovens passam e por isso decidiu criar o evento. Paulo diz que no próprio grupo há diversas manifestações preconceituosas que afirmam que aquele ambiente não é para esses jovens. Há também quem defenda que o ato envolva manifestações sobre altos impostos. Mas o publicitário explica que não há nada específico planejado, a ideia é reunir as pessoas com “o propósito de que quem é da periferia possa se sentir à vontade para fazer o rolezinho em Curitiba”. Ele pretende filmar o ato para registrar e mostrar que será feito de forma pacífica.

O advogado Silvio Felipe Guidi, especialista em Direito Administrativo, que atende um dos shoppings de Curitiba, diz que já preparou um miniparecer para seus clientes saberem como agir caso um rolezinho seja realizado nas suas dependências. “Todas as pessoas têm direito de frequentar o shop­ping, mas é um local que tem destinação específica para lazer e conforto. A partir do momento que começam a desvirtuar, vão para realizar balbúrdia e se valem desse direito para cometer um ato que a legislação não protege, o direito perde força.”

O advogado explica que, se necessário, vai ajuizar uma ação de interdito proibitório e acionar o Judiciário para que a polícia acompanhe de perto e entre em ação se houver situações suspeitas. Guidi diz que há uma linha muito tênue para se definir o que representa risco, mas cita como exemplo “aglomeração, ruído incompatível com o ambiente, ingressar nas lojas e revirar os produtos, assustar os clientes com ameaças e palavras de baixo calão”. Na opinião dele, a polícia também deve registrar suas ações com filmagens a fim de comprovar que não haverá abusos contra os participantes.

 

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/conteudo.phtml?id=1441716